estilo concertato;

"No começo do século XVII, o termo sinfonia era usado para designar páginas de música instrumental dentro de composições vocais, óperas, motetos, cantatas, oratórios, etc. No princípio do século seguinte, essa música continuava tendo um papel secundário dentro das obras vocais, e era utilizada para expressar um determinado estado de ânimo, como prenúncio do texto. Quando se observa, a partir de nossa perpectiva, p magnífico desenvolvimento que essa forma musical acabaria alcançando com o tempo, adquirindo maiores dimensões, abandonando, pouco a pouco seu lugar secundário dentro da música vocal e, inclusive, chegando a confrontar a essa importância, até converter-se em um dos gêneros mais bem-sucedidos, sentimos uma grande curiosidade de analisar esta evolução desde sua origem. A tarefa não é fácil, pois existem enormes lacunas sobre o começo desse gênero no século XVII. No princípio do século XVIII, a forma instrumental mais popular era o concerto, existindo 3 variantes dele: o concerto grosso, para um grupo de solistas e orquestra; o concerto, para um solista e orquestra, e o ripieno-concerto, que mantinha a estrutura formal dos dois anteriores, embora sem partes solistas, e que ocorreu exclusivamente na Itália, onde foi habitualmente utilizado por compositores como Vivaldi (1678-1741), Torelli (1658-1709), e Albinoni (1671-1751)." (ROBLEDO)

"Concertato (It.). Concertado. outro nome para o grupo concertino ou concertante em música barroca que contém os instrumentos solos os vozes para contrastar com o ripieno." (KENNEDY)*

*Concertato (It.). Concerted. Another name for the concertino or concertante group in baroque mus. which contained the solo instrs. or vv. to contrast with the ripieno. (tradução livre)

baixo ostinato;

"Ostinato (It.): Obstinado, persistente. Uma frase ou ritmo musical persistente. Um baixo ostinado é uma figura no baixo que é repetida constantemente." (KENNEDY)*

"Ostinato (it. lit.: obstinado): Repetição sucessiva de determinado padrnao na partitura, como no basso ostinato. Há ostinatos melódicos, como o pizzicato ostinato, da Quarta Sinfonia de Tchaikovsky e a Pizzicato polca, de Johann Strauss; rítmicos, como o padrão da caixa clara no Bolero, de Ravel; e harmônicos, que empregam recorrentemente uma mesma sequência de acordes" (DOURADO)


*Ostinato (It.): Obstinate, persistent. A persistent mus. phrase or rhythm. A basso ostinato is a figure in the bass which is persistently repeated. (tradução livre)

dissonância e cromatismo;

"Uma dissonância precisa ser sempre acentuada, mesmo que ela se encontre num tempo fraco; a resolução da dissonância - e toda dissonância tem sua resolução - não pode ser de forma alguma acentuada, do contrário deixaria de ser uma "resolução". Podemos sentir isso fisicamente: quando sentimos uma dor que aos poucos vai passando, nos advém uma sensação de leveza no momento em que a dor se extingue completamente. (Leopold Mozart se utiliza no seu método de violino de uma bela expressão para a maneira pela qual este tipo de resolução deve ser executado: "se perdendo"). Aqui já temos uma forte contra-hierarquia que dá de imediato, à hierarquia principal, ritmo e vida. É como uma estrutura, um esqueleto, um esquema que possui uma ordem fixa. Esta ordem estabelecida será sempre interrompida pelas acentuações das dissonâncias." (HARNONCOURT)

"Dentro da estrutura triádica assim definida, os compositores passaram a considerar a dissonância, não como um intervalo entre duas vozes, mas como notas individualizadas, que não se encaixavam num determinada tríade. Nessas circunstâncias, começaram a ser muito mais facilmente toleradas estruturas dissonantes que não as simples notas de passagem por grau conjunto. A prática da dissonância no início do século XVII era, em grande medida, ornamental e experimental; em meados do século chegou-se a um consenso quanto a certas formas de controle da dissonância. O papel da dissonância na definição da direção tonal de uma peça tornou-se muito evidente, em particular na música instrumental de Corelli e outros compositores de finais do século XVII. O cromatismo seguiu uma evolução análoga: das incursões experimentais a liberdade no âmbito de uma estrutura ordenada. As harmonias cromáticas de Gesualdo no inicio do século XVII eram digressões expressionistas no âmbito de um encadeamento frouxo de partes ligadas entre si pelo fato de se confinarem todas aos limites de um modo, Ao longo de todo o século XVII o cromatismo ganhou especial destaque na composição sobre textos que requeriam meios expressivos especialmente intensos e em peças improvisatórias como as tocatas de Frescobaldi e Froberger. Mais tarde os compositores vieram integrar a dissonância, tal como haviam feito com o cromatismo, num vocabulário controlado por uma perspectiva global das direções e dimensões tonais de uma peça dada. Esta perspetiva global era o sistema de tonalidade maior-menor com que nos familiarizou as musicas do século XVIII e XIX: todas as harmonias de uma composição se organizam em relação a uma tríade perfeita sobre a sua dominante e subdominante, com outras tríades secundarias em relação a estes, e com modulações temporárias a outras tonalidades, permitidas sem se sacrificar a supremacia da tonalidade principal. Este tipo de organização tonal começara ja a esboçar se na musica do Renascimento, em especial na que foi escrita na segunda metade do século XVI. O Tratado de Harmonia de Rameau, publicado em 1722, completou a formulação teórica de um sistema que existia, na pratica, havia então pelo menos meio século. Tal como o sistema modal medieval, o sistema maio-menor desenvolveu-se a partir da pratica musical durante longo período de tempo. O recurso habitual e continuado ao movimento do baixo por intervalos de quarta e quinta, as sucessões de tríades secundarias culminando numa progressão cadencial, as modulações as tonalidades mais diretamente aparentadas, acabou por dar origem a uma teoria coerente. Se na Alta Idade Media o uso constante de algumas formulas melódicas características e a necessidade de classificar o cantochão conduziram a teoria dos modos, também no século XVII o uso constante de determinadas sucessões melódicas e harmônicas conduziu a teoria da tonalidade maior-menor." (GROUT)

doutrina dos afetos e das figuras musicais;

"Atua como idéia central do barroco, a representação musical das paixões e dos estados da alma. A antiguidade tinha já associado a música aos diferentes estados de alma, e que tinha conduzido a valoração ética da música (Platão). Na música final do renascimento e dos inícios do barroco, em especial o madrigal italiano clássico e tardio e a musica reservata procuram exprimir intencionalmente o conteúdo afetivo do texto. A alegria exprime-se pelo modo maior, a consonância, o registro, o registro agudo, o andamento rápido (allegro); a tristeza, pelo modo menor, a dissonância, o registro grave, o andamento lento (mesto). Também a maneira de executar contribui para exprimir as paixões, como, por exemplo, a tristeza representada pelo execução em molto legato dos intervalos. Descartes menciona seis paixões fundamentais - assombro, amor, ódio, desejo, alegria e tristeza. Delas deriva um número infinito de matizes e combinações. Também os próprios instrumentos, tal como as tonalidades, servem para exprimir as paixões." (MICHAELS)

"Desde épocas muito antigas tentou-se utilizar a música para reproduzir idéias extramusicais; este domínio anexo a música não deve ser desprezado; os gêneros e os métodos mais diversos se entrelaçam e nem sempre são fáceis de serem separados; pode-se, contudo, distinguir quatro orientações principais: imitação acústica - representação musical de imagens - representação musical de pensamentos ou sentimentos - a linguagem dos sons. O encanto particular desta música reside no fato de que tudo isto é transmitido sem texto, por meios puramente musicais. A forma mais primitiva, mas certamente a mais divertida também, é a simples imitação sonora de ruídos de animais ou de instrumentos musicais particulares, aquela que os compositores utilizaram desde o século XIII, passando pelos compositores ingleses da nightingale music (música de rouxinol) por volta de 1600, por vários compositores franceses, italianos e alemães, até chegar a Beethoven e Richard Strauss e mesmo a alguns compositores mais tardios. A transposição para a música de cenas de imagens é sensivelmente mais complicada. Durante séculos foram-se criando fórmulas musicais que provocam determinadas associações, constituindo, assim, uma ponte entre imagem e música. Uma terceira possibilidade da música programática consiste em representar musicalmente pensamentos ou idéias por meio de associações assaz complicadas. É neste ponto que desaparecem, principalmente na música barroca, as fronteiras da chamada música absoluta. A música barroca quer sempre dizer alguma coisa, ou pelo menos representar e suscitar um sentimento geral, um "afeto". E por fim, a "linguagem dos sons" que, desde aproximadamente 1650 e por quase dois séculos, desempenha na música realmente um papel fundamental. (...) Dispunha-se de um repertório de fórmulas fixas (figuras musicais) para a representação dos sentimentos e para "expressões retóricas", uma espécie de vocabulário de possibilidades musicais. (...) É na música programática, portanto, nas pinturas musicais de batalhas e nas representações da natureza, com suas imitações de cenas de caça e das vozes animais, que se encontra pela primeira vez verdadeiras associações de sentido ou de ação que vão de fato ser a marca distintiva da música instrumental "falante". Estas peças são em sua maioria construídas sobre uma base bastante primitiva e imagística e não possuem ainda uma sequência que desenvolva um verdadeiro enunciado. S primeiras obras instrumentais, nas quais a música tentou de uma forma mais elevada expressar algo determinado, são provavelmente os funerals ingleses e os tombeaux franceses dos séculos XVII e XVIII. Estas peças, sem dúvida modeladas a partir de odes fúnebres dedicadas a pessoas determinada, possuem um discurso claramente reconhecível, cujo desenvolvimento, constituído de partes, se mantém praticamente o mesmo durante mais de um século: introdução (este homem está morto) - sentimento pessoal (luto) - progressão - consolo (o morto vive na beatitude) - conclusão (semelhante a introdução). Certamente estabeleceu-se desde cedo, nas obras deste gênero, um repertório de fórmulas mais ou menos fixas: o modelo destes tombeaux foi sem dúvida a oração fúnebre, construída segundo as regras precisas da retórica. (...) A retórica era, com toda a sua complexa terminologia, uma disciplina ensinada em todas as escolas e fazia parte, portanto, tal como a própria música, da cultura geral. A teoria dos afetos foi desde o início parte integrante da música barroca - tratava-se de mergulhar a si próprio em determinados sentimentos, para poder transmiti-los aos ouvintes -, embora a ligação da música com a oratória se fizesse por si mesma. Embora a música fosse uma linguagem internacional, como a pantomima ou a a "arte dos gestos", reconhece-se, claramente, os diversos ritmos de fala das diferentes nações que certamente contribuíram para a formação de diversos estilos." (HARNONCOURT)

música poética;

"Retomando os conceitos aristotélicos de pensar, fazer e criar, nos círculos humanísticos do séc. XVI dividia-se em musica theoretica, practica e poetica. A musica poetica gira em torno da obra (opus), que assegura a fama do seu criador, o musicus poeticus. Inspirando-se na Retórica, concebe-se a música como uma linguagem sonora (listenius, 1537; faber, 1548; burmeister, 1606; herbest, 1643; walther, 1708). A composição era ensinada a partir da invenção de um motivo (muitas vezes como estereótipo), passando pela estrutura global, até a execução e ornamentação (inventio, dispositio, elaboratio, decoratio), assim como pela divisão em secções ou frases (incisiones, periodi) e pelo uso de flores de retórica para determinadas representações (do texto), chamadas figuras. Assim, um som agudo indica altura e também montanha, céu; uma nota grave, um vale, o inferno. O meio tom cromático expressa sofrimento e dor; pausas repentinas assinalam silêncio súbito e morte, etc." (MICHAELS)

"Não esquecerei que estou ocupando uma cadeira de poética. E não é segredo para nenhum de vocês que o significado exato de poética é o estudo de uma obra a ser feita. O verbo poiein, do qual a palavra deriva, significa exatamente fazer ou fabricar. A poética dos filósofos clássicos não consiste de dissertações líricas sobre o talento natural e sobre a essência da beleza. Para eles, a tarefa techné abrangia tanto as belas-artes como as coisas práticas, e aplicava-se ao conhecimento e ao estudo das regras corretas e inevitáveis de um determinação métier. Eis porque a poética de Aristóteles muitas vezes sugere idéias referentes ao trabalho pessoal, a organização do material e a estrutura. A poética da musica - é justamente sobre isso que vou falar a vocês; isto é, falarei sobre o fazer no campo da música. É o bastante para dizer que não usarei a música como pretexto para agradáveis devaneios. Quanto a mim tenho plena consciência da responsabilidade que me incumbe para deixar de levar a sério minha tarefa." (STRAVINSKI)*

*esta citação de Igor Stravinski foi utilizada para demonstrar o conceito de música poética não apenas no período barroco e como este termo não sofreu grandes alterações durante a história.

referências, exemplos e links extras;

música poética, doutrina dos afetos e das figuras musicais:
"Schütz e a cultura dos afetos"; (artigo - em inglês)
"Música, retórica e o conceito dos afetos"; (artigo - em inglês)
teoria dos afetos em infográfico; (MICHAELS)

dissonância e cromatismo:
Frescobaldi;

Interpretado por: Gustav Leonhardt
Froberger;
Interpretado por: Blandine Verlet, Astree 1989

Clavicórdio: Hans Ruckers II, 1624 (Musee d'Unterlinden a Colmar)
Corelli;
Interpretado por:
Eduard Melkus - Violino
; Caro Atmacayan - Cello
; Huguette Dreyfus - Cravo & Orgão
; Karl Scheit - Alaúde; Capella Academica Wien
, 1973.
(áudios - exemplos - GROUT)
capa do tratado de harmonia de Rameau; (imagem)
"Rameau e o tratado de harmonia"; (artigo)
Tratado de harmonia de Rameau; (original - em italiano)
L'incoronazione Di Poppea - Prólogo; (partitura)
L'incoronazione Di Poppea - Atto I; (partitura)
L'incoronazione Di Poppea - Atto II; (partitura)
L'incoronazione Di Poppea - Atto III; (partitura)

baixo ostinato:
ostinato rítmico; (áudio)
Bolero - Ravel;
ostinato melódico; (áudio)
Pizzicato Polka - Strauss;
ostinado melódico; (áudio)
Quarta Sinfonia - Tchaikovski;
baixo ostinato no barroco; (áudio)
O Lamento de Dido - Purcell;

estilo concertato e baixo contínuo:
tratado e partituras Cento concerti ecclesiastici Viadana; (original - em italiano)

outros:
discografia recomendada por Nikolaus Harnoncourt; (HARNONCOURT)
linha do tempo do período barroco; (MICHAELS)

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ADRIAN, E. P.; ROBLEDO, A. J.; A Música Sinfônica. São Paulo: Angra, 2002.

DOURADO, H. A.; Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo: 34, 2004.

GROUT, D. J.; PALISCA, C. V.; História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2007.

HARNONCOURT, N.; O Discurso Dos Sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

KENNEDY, M., KENNEDY, J.;Oxford Concise Dictionary of Music. New York: Oxford, 2007.

MICHAELS, U.; Atlas de Música II. Lisboa: Gradiva, 2007.

STRAVINSKY, I.; Poética Musical em 6 Lições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

layout do blog:
CARAVAGGIO. I musici, 1594-1595. Óleo sobre tela, 92cm × 118,5cm. Nova York, Metropolitan Museum of Art.