dissonância e cromatismo;

"Uma dissonância precisa ser sempre acentuada, mesmo que ela se encontre num tempo fraco; a resolução da dissonância - e toda dissonância tem sua resolução - não pode ser de forma alguma acentuada, do contrário deixaria de ser uma "resolução". Podemos sentir isso fisicamente: quando sentimos uma dor que aos poucos vai passando, nos advém uma sensação de leveza no momento em que a dor se extingue completamente. (Leopold Mozart se utiliza no seu método de violino de uma bela expressão para a maneira pela qual este tipo de resolução deve ser executado: "se perdendo"). Aqui já temos uma forte contra-hierarquia que dá de imediato, à hierarquia principal, ritmo e vida. É como uma estrutura, um esqueleto, um esquema que possui uma ordem fixa. Esta ordem estabelecida será sempre interrompida pelas acentuações das dissonâncias." (HARNONCOURT)

"Dentro da estrutura triádica assim definida, os compositores passaram a considerar a dissonância, não como um intervalo entre duas vozes, mas como notas individualizadas, que não se encaixavam num determinada tríade. Nessas circunstâncias, começaram a ser muito mais facilmente toleradas estruturas dissonantes que não as simples notas de passagem por grau conjunto. A prática da dissonância no início do século XVII era, em grande medida, ornamental e experimental; em meados do século chegou-se a um consenso quanto a certas formas de controle da dissonância. O papel da dissonância na definição da direção tonal de uma peça tornou-se muito evidente, em particular na música instrumental de Corelli e outros compositores de finais do século XVII. O cromatismo seguiu uma evolução análoga: das incursões experimentais a liberdade no âmbito de uma estrutura ordenada. As harmonias cromáticas de Gesualdo no inicio do século XVII eram digressões expressionistas no âmbito de um encadeamento frouxo de partes ligadas entre si pelo fato de se confinarem todas aos limites de um modo, Ao longo de todo o século XVII o cromatismo ganhou especial destaque na composição sobre textos que requeriam meios expressivos especialmente intensos e em peças improvisatórias como as tocatas de Frescobaldi e Froberger. Mais tarde os compositores vieram integrar a dissonância, tal como haviam feito com o cromatismo, num vocabulário controlado por uma perspectiva global das direções e dimensões tonais de uma peça dada. Esta perspetiva global era o sistema de tonalidade maior-menor com que nos familiarizou as musicas do século XVIII e XIX: todas as harmonias de uma composição se organizam em relação a uma tríade perfeita sobre a sua dominante e subdominante, com outras tríades secundarias em relação a estes, e com modulações temporárias a outras tonalidades, permitidas sem se sacrificar a supremacia da tonalidade principal. Este tipo de organização tonal começara ja a esboçar se na musica do Renascimento, em especial na que foi escrita na segunda metade do século XVI. O Tratado de Harmonia de Rameau, publicado em 1722, completou a formulação teórica de um sistema que existia, na pratica, havia então pelo menos meio século. Tal como o sistema modal medieval, o sistema maio-menor desenvolveu-se a partir da pratica musical durante longo período de tempo. O recurso habitual e continuado ao movimento do baixo por intervalos de quarta e quinta, as sucessões de tríades secundarias culminando numa progressão cadencial, as modulações as tonalidades mais diretamente aparentadas, acabou por dar origem a uma teoria coerente. Se na Alta Idade Media o uso constante de algumas formulas melódicas características e a necessidade de classificar o cantochão conduziram a teoria dos modos, também no século XVII o uso constante de determinadas sucessões melódicas e harmônicas conduziu a teoria da tonalidade maior-menor." (GROUT)