doutrina dos afetos e das figuras musicais;

"Atua como idéia central do barroco, a representação musical das paixões e dos estados da alma. A antiguidade tinha já associado a música aos diferentes estados de alma, e que tinha conduzido a valoração ética da música (Platão). Na música final do renascimento e dos inícios do barroco, em especial o madrigal italiano clássico e tardio e a musica reservata procuram exprimir intencionalmente o conteúdo afetivo do texto. A alegria exprime-se pelo modo maior, a consonância, o registro, o registro agudo, o andamento rápido (allegro); a tristeza, pelo modo menor, a dissonância, o registro grave, o andamento lento (mesto). Também a maneira de executar contribui para exprimir as paixões, como, por exemplo, a tristeza representada pelo execução em molto legato dos intervalos. Descartes menciona seis paixões fundamentais - assombro, amor, ódio, desejo, alegria e tristeza. Delas deriva um número infinito de matizes e combinações. Também os próprios instrumentos, tal como as tonalidades, servem para exprimir as paixões." (MICHAELS)

"Desde épocas muito antigas tentou-se utilizar a música para reproduzir idéias extramusicais; este domínio anexo a música não deve ser desprezado; os gêneros e os métodos mais diversos se entrelaçam e nem sempre são fáceis de serem separados; pode-se, contudo, distinguir quatro orientações principais: imitação acústica - representação musical de imagens - representação musical de pensamentos ou sentimentos - a linguagem dos sons. O encanto particular desta música reside no fato de que tudo isto é transmitido sem texto, por meios puramente musicais. A forma mais primitiva, mas certamente a mais divertida também, é a simples imitação sonora de ruídos de animais ou de instrumentos musicais particulares, aquela que os compositores utilizaram desde o século XIII, passando pelos compositores ingleses da nightingale music (música de rouxinol) por volta de 1600, por vários compositores franceses, italianos e alemães, até chegar a Beethoven e Richard Strauss e mesmo a alguns compositores mais tardios. A transposição para a música de cenas de imagens é sensivelmente mais complicada. Durante séculos foram-se criando fórmulas musicais que provocam determinadas associações, constituindo, assim, uma ponte entre imagem e música. Uma terceira possibilidade da música programática consiste em representar musicalmente pensamentos ou idéias por meio de associações assaz complicadas. É neste ponto que desaparecem, principalmente na música barroca, as fronteiras da chamada música absoluta. A música barroca quer sempre dizer alguma coisa, ou pelo menos representar e suscitar um sentimento geral, um "afeto". E por fim, a "linguagem dos sons" que, desde aproximadamente 1650 e por quase dois séculos, desempenha na música realmente um papel fundamental. (...) Dispunha-se de um repertório de fórmulas fixas (figuras musicais) para a representação dos sentimentos e para "expressões retóricas", uma espécie de vocabulário de possibilidades musicais. (...) É na música programática, portanto, nas pinturas musicais de batalhas e nas representações da natureza, com suas imitações de cenas de caça e das vozes animais, que se encontra pela primeira vez verdadeiras associações de sentido ou de ação que vão de fato ser a marca distintiva da música instrumental "falante". Estas peças são em sua maioria construídas sobre uma base bastante primitiva e imagística e não possuem ainda uma sequência que desenvolva um verdadeiro enunciado. S primeiras obras instrumentais, nas quais a música tentou de uma forma mais elevada expressar algo determinado, são provavelmente os funerals ingleses e os tombeaux franceses dos séculos XVII e XVIII. Estas peças, sem dúvida modeladas a partir de odes fúnebres dedicadas a pessoas determinada, possuem um discurso claramente reconhecível, cujo desenvolvimento, constituído de partes, se mantém praticamente o mesmo durante mais de um século: introdução (este homem está morto) - sentimento pessoal (luto) - progressão - consolo (o morto vive na beatitude) - conclusão (semelhante a introdução). Certamente estabeleceu-se desde cedo, nas obras deste gênero, um repertório de fórmulas mais ou menos fixas: o modelo destes tombeaux foi sem dúvida a oração fúnebre, construída segundo as regras precisas da retórica. (...) A retórica era, com toda a sua complexa terminologia, uma disciplina ensinada em todas as escolas e fazia parte, portanto, tal como a própria música, da cultura geral. A teoria dos afetos foi desde o início parte integrante da música barroca - tratava-se de mergulhar a si próprio em determinados sentimentos, para poder transmiti-los aos ouvintes -, embora a ligação da música com a oratória se fizesse por si mesma. Embora a música fosse uma linguagem internacional, como a pantomima ou a a "arte dos gestos", reconhece-se, claramente, os diversos ritmos de fala das diferentes nações que certamente contribuíram para a formação de diversos estilos." (HARNONCOURT)